quarta-feira, 6 de junho de 2007

Nesta terça-feira, a Subsede de Santarém recebeu e-mail do Prof. João Neto, Coordenador do Sintepp/Subsede de Óbidos. No texto, o companheiro nos solicitou que publicássemos em nosso blog artigo divulgado naquele município, há algumas semanas. O texto foi motivado por uma declaração do gestor público municipal durante entevista à imprensa. Trata-se de um documento altamente elucidativo que se aplica à realidade de vários municípios da região. A sutiliza com que a questão foi levantada é digna de aplausos.
Solidariedade: o que era, já não é mais, e agora?
João Neto Sousa Rodrigues
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Ao longo dos tempos o ser humano sempre buscou explicações para os mais diversos fenômenos, sejam eles de caráter biológico, físico, social, cultural e etc. Desta forma, a humanidade que hoje convive com a ditadura imposta pelo mercado financeiro é a mesma que em diversos momentos tem assistido atônita nossos intelectuais contestarem conceitos, ou ainda, derrubarem tabus e assim, estabelecer novas verdades. Com isso, percebemos o quão correto estava o filósofo pré-socrático Heráclito que em oposição às idéias de Parmênides que era o filósofo do ser, se posicionava como o filósofo do vir-a-ser, do devir, que tudo está em contínuo movimento, tudo flui, ou seja, “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”, porque tanto a água como o homem mudam incessantemente.
Neste sentido, quando nós que não somos catedráticos da filosofia resolvemos estudá-la descobrimos que determinados conceitos têm caráter universal, e, portanto, imutáveis, entre eles a solidariedade.
É a partir deste conceito, que gostaríamos de traçar algumas considerações sobre o contexto no qual nos encontramos enquanto servidores da administração pública municipal de Óbidos, isto porque, o chefe do executivo em uma de suas entrevistas numa emissora de rádio local usou de forma questionável do ponto de vista da filosofia e sobre todos os demais pontos de vista o termo, solidariedade.
A palavra solidariedade vem do latim clássico solidus que significa algo bastante compacto, bem construído e unificado; algo que se estabelece entre duas ou mais pessoas com muita solidez. No dicionário Houassis solidariedade quer dizer “cooperação mútua entre duas pessoas”. Já no dicionário Ridel este vocábulo aparece com um significado muito mais rico em informações, vejamos: “1-Qualidade de solidário. 2-Sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades de um grupo social, de uma nação ou da própria humanidade.” E ainda, o Papa João Paulo II em uma de suas muitas cartas que foram publicadas, escreveu em 1998 que solidariedade: era a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum.
Convenhamos, que nestes significados não há nenhuma novidade naquilo que nós já conhecemos sobre esta palavra, como também, não é novidade que administrações públicas estejam, volta e meia, com os salários dos servidores em atraso. E quanto a isto, o amigo(a) leitor(a) deve concordar que já ouvimos muitas desculpas das mais variadas naturezas, e que quase sempre são insuficientes para explicar tamanho descalabro que esta ação irresponsável causa na vida de cada servidor, seja ele um zelador de praça, ou um agente de serviços gerais que coleta lixo sem a devida proteção; seja um professor de pré-escola que trabalha em uma turma com 30 alunos quando deveria ter no máximo 25, ou ainda um professor que convive com um ambiente infestado de morcegos; seja a diretora que, de vez em quando, libera seus alunos mais cedo da aula por falta de merenda na escola, enquanto não se tem até hoje, notícia concreta das reais circunstâncias nas quais desapareceram quase uma tonelada de merenda escolar do depósito municipal.
Alguns hão de dizer que atrasos de salários são normais, embora saibamos que, nos dias 10, 20 e 30 de cada mês, o governo federal executa o repasse das famosas transferências constitucionais. Assim sendo, pressupõe-se que um governo solidário com o seu povo; eleito sob a bandeira da moralidade; severo defensor da moderna administração pública; propagador da reformulação do plano de cargos e salários dos servidores da administração direta e do magistério; o qual depois de eleito, ainda pediu, publicamente, mais uma chance (de seis meses) para se organizar enquanto gestor, deveria ter, no mínimo, uma outra explicação para o atraso no pagamento dos salários dos servidores, em vez de dizer que tal atraso se deu em virtude da solidariedade com os demais que estavam sem receber.
A propósito, solidariedade não deixou de ser aquilo em que nós acreditamos. No entanto, entristece-nos o contexto no qual o gestor municipal obidense inseriu tal expressão em sua justificativa, pois, como destacou um amigo “hoje o nosso salário está mais para salário-alimentação”, isto é, recebemos apenas para nos alimentarmos, isso se não considerarmos as tabelas nutricionais, porque como diz o mesmo amigo “aí o bicho pega!!”. A situação piora quando há um enfermo na família.
Duro mesmo é entender atraso de salário como ato de solidariedade da administração municipal. Contudo, ainda que, utilizando o ignorantismo considerarmos o conceito “de que tudo flui” do filósofo grego Heráclito para aceitarmos tal idéia de que atraso de salário subentende-se solidariedade, gostaríamos que nossas autoridades públicas nos apresentassem os pressupostos filosóficos que fundamentam o emprego da referida expressão nesse contexto.
De forma tranqüila, vamos fazer alguns questionamentos sobre o uso corrente do termo solidariedade, e, como bons materialistas históricos e dialéticos esperar respostas e não processo administrativo. Cabe-nos perguntar: por que será que quando nossas colegas servidoras buscavam respostas para o atraso de seus “salários-alimentação” receberam como retorno um processo administrativo e não a solidariedade? Segundo o Jornal O Liberal, edição do dia 04 de Dezembro de 2005 no caderno atualidades, em uma matéria com o título “Três mil fraudes atingem bolsa família” existiam em Óbidos 3 mil irregularidades no recebimento do beneficio pago pelo governo federal e as perguntas que cabem neste caso são: quantos foram processados? [respostas para esta pergunta: apenas 8 servidores (as) municipalizados (as)] E a solidariedade não funcionou com os que ainda não tinham sofrido punição? E quais eram os outros que recebiam irregularmente o benefício?
Solidariedade tal qual a conhecemos e tal qual consta nos tratados dos etimologistas, bem que poderia alimentar o debate sobre o estado democrático de direito. Pois, talvez se fôssemos menos “políticos partidários umbilicais” e mais pregadores da solidariedade, ninguém seria punido por dizer “quero meu salário pago após 30 dias de serviço. Todos já saberíamos o que de fato aconteceu com quase uma tonelada de merenda escolar que supostamente sumiu do depósito da merenda como disse uma autoridade em entrevista numa emissora local. E ainda, já teríamos parado em alguma esquina da cidade para ler em um outdoor as prestações de contas públicas em vez de propagandas de obras intermináveis. Bem como, já saberíamos que educação de qualidade se faz também com professores bem remunerados. Também já saberíamos que a disciplina educação física é de fundamental importância para o processo de aprendizagem dos educandos, e que, por fazer parte da base nacional comum deveria ser tratada com a mesma importância. E mais, já saberíamos que na escola Irmã Firmina deveria ter um poço artesiano para que os alunos da pré-escola deixassem de ser perturbados, cotidianamente, com o barulho de um motor bomba do carro pipa que transporta água para aquele educandário.
Enfim, como diz o Humberto Gessinger “um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão e sem querer eles me deram as chaves que abrem esta prisão.” Portanto, nestes tempos em que tentam mudar tudo só nos resta ficar atentos com o dicionário na mão para não esquecermos o verdadeiro significado das palavras.
João Neto Sousa Rodrigues
Professor da Rede Pública Municipal de Óbidos.
Coordenador da sub-sede do SINTEPP-Óbidos.
jnsrche@hotmail.com

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